sexta-feira, 3 de maio de 2013

A Alma do Almaviva

Há tempos estava para escrever sobre minhas impressões a respeito da vinícola Almaviva (se é que alguém se interessa!) até que a última edição da revista Adega reacendeu a chama. E ela voltou ainda mais brilhante e mais quente.

Me impressionou o lançamento da safra 2010 em São Paulo e reportada pela revista.  Luxo e ostentação dignos do tipo de vinho que o Almaviva se propôs a ser.  Longe estão os anos quando um produto se classificava como de luxo por sua excelência e qualidade comprovadas pelo tempo.  Hoje o mercado de luxo classifica seus produtos pela imagem que transmitem.  Apresente-se como tal (inclusive quanto ao preço) e assim será.  A comprovação de qualidade e excelência virá com o tempo.

Até o momento o Almaviva tem se mostrado excelente.  Vale quanto pesa.  Não questiono sua qualidade nem o que o vinho representou para o setor no Chile após seu lançamento. Questiono sua alma.

Para os produtores, segundo a revista, o vinho tem que ter história.  Entendo história como tradição. Para mim, o Almaviva é um exemplo de gestão e construção de uma marca.

De tradição em Puente Alto, só a da cultura mapuche. À qual tudo na vinícola quer se conectar. A vinícola é linda, bem administrada e um exemplo de organização, mas a necessidade nada sutil e exagerada de ligá-la à cultura local chega a ser desconcertante.  A funcionária, responsável pela visita, tomada por uma felicidade e orgulho dignos de Prozac, impressionava e me convencia a cada frase.  Gostaria de tê-la em minha empresa, se eu tivesse uma.

Pelos corredores, referência à cultura mapuche por todos os cantos.  Quadros, esculturas e uma artificialidade constrangedora.  Uma vinícola que não tem ligação alguma com o local escolhido.  Os moradores da região mal sabem do que estamos falando ao pedir direções nas proximidades (que, por sinal, não parece ter se beneficiado da fama do vizinho célebre).

Como disse Philippe Sereys de Rothschild na revista: "Para que as pessoas comprem seu vinho, você precisa contar uma história". Tudo então foi feito para transmitir uma conexão entre a cultura chilena, a francesa e a mapuche, para contar a tal história.

O nome é de um personagem hispânico da literatura clássica francesa (Conde de Almaviva, das Bodas de Fígaro); o logotipo, uma homenagem aos ancestrais chilenos, representa sua visão da terra e dos cosmos e se remete ao "kultrun", um tambor utilizado pelos mapuches em seus rituais.  O manuscrito do rótulo também é o original de Beaumarchais, autor da comédia francesa.

O vinho é o encontro afortunado de duas culturas, diz o site.  O Chile entra com a terra, o clima e os vinhedos e a França com o conhecimento técnico de vinificação e suas tradições.  Exatamente como a imagem do colonizador e do índio, símbolo da Almaviva.  Uma história muito bem contada.

Para mim, poderia ser simplesmente a história da busca por excelência.  No mínimo, mais honesta. Forçar uma história cultural acaba me parecendo um trauma mal superado por ter sido excluído da classificação de Premier Grand Cru Classé em 1855 combinado com a necessidade de provar que se pode produzir vinhos premium na região do mundo que escolher.  No Brasil também tem gente que faz projetos megalomaníacos para se provar... #prontofalei

De qualquer forma, para mim, beber história é beber tradição, o trabalho de gerações da mesma família que se dedicaram dia e noite ao trabalho árduo da vitivinicultura.  Tudo bem que isso esteja cada vez mais raro.  Eu gosto de beber vinhos bons e bem feitos, a tradição é um mega bônus.  A história da videira muitas vezes me basta. Fazer vinho bom com dinheiro e equipamentos modernos é obrigação.  Forçar uma tradição que não existe é bobagem.

Um comentário:

  1. Seguindo esta tentativa de se conectar a cultura local, o outro vinho produzido pela vinícola se chama Epu. Em Mapuche seria " o número 2".
    Abs

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