quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Barris de carvalho: dádiva ou maldição?

Por André Favero

Em recente viagem a Washington/EUA, aproveitei para provar alguns vinhos da "domestic production", como os americanos chamam os vinhos nacionais. E como as adegas e importadoras mesclam grande quantidade de vinhos nacionais e estrangeiros, nada melhor do que ir ao supermercado local para saber quais são os produtos que mandam no pedaço.

E é exatamente como "domestic products" que as gôndolas dos grandes supermercados americanos destacam os vinhos nacionais, e dão muito espaço para diversos produtores. Depois de uma pesquisa rápida de rótulo a rótulo, sem conhecer nada do mercado americano de vinhos, decidi pela conhecida região do Napa Valley.  Escolhi um Merlot, que estou bem acostumado a provar - muitos dos melhores brasileiros têm esse corte, além é claro dos clássicos Bordeaux - e que facilita a comparação. E obviamente a célebre rejeição ao Merlot no filme Sideways não influenciou minha escolha. Resultado: "Markham Vineyards, Merlot 2007 - Napa Valley". De volta ao Brasil fiquei sabendo que 2007 foi uma grande safra no Napa Valley e que o tal vinho foi listado como um dos 10 melhores de 2011 por alguns especialistas (veja aqui) e recebeu 90 pontos pela Wine Spectator. Em 2008, foram 91 pontos. Sim, um chutaço, sem vergonha nenhuma de dizer. Às vezes dá certo!



 

Ao degustar o vinho, algumas notas herbáceas e de especiarias, e uma presença em boca não tão consistente, mas agradável, típica do Merlot. No entanto, chamou a atenção o aroma de baunilha e caramelo, desde a abertura da garrafa e evoluindo rapidamente, a ponto de inibir as outras características da uva. Não era algo espontâneo; parecia enjoativo, agressivo até. Lembrei na hora daquele indignado velhinho do documentário Mondovino (altamente recomendável, disponível nas maioria das locadoras). Aquele é o Sr. Hubert de Montille, proprietário do Domaine de Montille, que criticou acintosamente a indústria vitivinífera mundial - sim, o coroa disparou pra todo lado!!! - por ter se rendido ao gosto e às valiosas avaliações do Robert Parker. É de conhecimento público que as influentes notas de Parker carregam um gosto todo especial para os aromas e sabores advindos dos barris de carvalho. Tem baunilha, tem tabaco, tem caramelo, opa, o mercado vai aceitar mais facilmente. E é legal dizer que o vinho tem “influência do carvalho”, não é?! Rsrs

Só que dessa forma, os críticos de Parker alegam que a produção de vinho está se tornando homogênea demais, a ponto de perder a tipicidade regional, tanto nas características das uvas utilizadas quanto nos métodos de vinificação. Sobre a influência de Parker no mundo do vinho, nos preços e no perfil dos vinhos produzidos, parece bem interessante o livro "The Emperor of Wine: The Rise of Robert M. Parker Jr. and the Reign of American Taste". O livro é de 2005. Ainda não consegui ler, mas parece interessante.

Ainda mais porque sim, o barril de carvalho exerce um papel importante na oxigenação do vinho e também na sua complexidade. Essa complexidade vem das variáveis tempo de guarda, barril novo, barril usado, carvalho francês, carvalho americano, carvalho eslovênio. Tem também os aromas do próprio carvalho, como a baunilha, o alcaçuz, a canela, e os aromas provenientes da tostada na parede interna do barril, como o chocolate, o caramelo, o café. Claro que tudo isso, em proporção moderada, dá um toque especial ao vinho. Por essas razões existe a polêmica em torno das avaliações de Parker, que também emite suas poderosas opiniões na revista bimestral “Wine Advocate”.

Mas será mesmo que o excesso do barril de carvalho, para atender aos desígnios de Parker e inúmeros outros seguidores – já formadores de opinião aos leigos desprotegidos – está arrancando a essência do vinho, que é justamente o terroir, as cepas típicas, a tradição dos métodos seculares passados de geração a geração?

Já se fala que o reino de Parker está em declínio, e que sua influência já é bem menor, principalmente no Velho Mundo. Mas não se pode desprezar o impacto que ele tem no mundo do vinho, e que ajudou de certa forma o vinho americano a conquistar seu espaço nos corações, mentes e papilas de enófilos e enólogos do mundo inteiro. Imagino, por exemplo, a voracidade com que a classe média-alta chinesa está consumindo as notas Parker. Bem, isso vale também para a classe média-alta brasileira também...

Polêmicas à parte, falo por mim: acredito que aquele não é o gosto do típico vinho americano. Se for, não gostei. E é um vinho que certamente agrada ao paladar de muitos. Equilibrado, macio, com o trinômio acidez-álcool-tanicidade bem harmonizado. Mas sem alma, cinza, monocórdico, um verdadeiro quase.

2 comentários:

  1. Belo texto! Mas duvido q soh experimentou um r@otulo, hehe...

    P S O Parker nao eh ACE?!

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  2. kkk, é ACE sim, e trabalha no DECOM!

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