sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

É fato, os vinhos estão mais fortes e os rótulos estão mentindo!

No espírito do post anterior que fala sobre como a mão do homem tem alterado as características dos vinhos para ir de encontro à preferência do consumidor e às notas dos especialistas, Jancis Robinson comentou em seu site, final de semana passado, sobre um estudo da Associação Americana de Economistas do Vinho, publicado em maio de 2011, que analisa o crescente percentual alcoólico dos vinhos modernos. 

Trata-se de um estudo econométrico para comprovar que o aumento do percentual alcoólico dos vinhos se deve menos a questões climáticas e principalmente aos produtores que perceberam que consumidores e especialistas buscam vinhos com sabor mais maduro, com taninos mais macios e menos acidez.  Como os níveis de acidez caem com o amadurecimento das uvas, os vinicultores têm preferido colhê-las mais tarde, apesar de relutarem em admitir quão alcoólico o vinho deve ser para atingir os objetivos de palato redondo e macio.

Os dados foram retirados da base do monopólio de importação do Canadá, o Liquor Control Board of Ontario (LCBO), que tem por hábito testar e registrar uma série de características dos vinhos importados, incluindo o teor alcoólico.

Utilizando o "índice de calor" (variável de temperatura durante o período de crescimento das plantas), os economistas encontraram um coeficiente de 0,05, o que sugere que o aumento de 1°F na média da temperatura na época de crescimento das plantas provocaria um aumento de 0,05 na média de conteúdo alcoólico dos vinhos.  Assim, a temperatura teria que subir 20°F, ou 11°C, para um aumento de 1 pp na quantidade média de álcool.  Acontece que, na média, o percentual alcoólico dos vinhos aumentou em 0.07 pp/ano ou 1.12pp nos últimos 18 anos.

Os países com maior teor real de álcool são do Novo Mundo:  Estados Unidos, Argentina, Austrália e Chile (13,88, 13,79, 13,75 e 13,71% respectivamente). A média para os novatos foi de 13.65 enquanto a média européia foi de 13.01, estimulada consideravelmente pela Espanha com seus 13.43%. Além disso, notou-se que o "índice de calor" não aumentou muito na maioria dos lugares analisados, especialmente nos países onde o percentual alcoólico disparou.

Como você deve ter percebido, me referi a "teor real de álcool".  Sim, meus caros, o rótulo nem sempre diz a verdade e geralmente subestima o conteúdo alcoólico verdadeiro por cerca de 0.39pp na Europa e cerca de 0.45pp no Novo Mundo.  Essa é a segunda parte do estudo.

Esta imprecisão dos rótulos é mais fácil nos EUA do que na Europa em razão da legislação americana que permite uma variação de 1.5% para mais ou para menos em vinhos com teor alcoólico de até 14% (para vinhos mais fortes, ainda se pode variar em 1pp a informação do rótulo). Na Europa, o teor informado não pode variar mais que 0.5% do nível real. Os países com rótulos mais imprecisos são Chile, Argentina, Espanha e EUA.

No Brasil, a legislação permite que os vinhos finos tenham de 8,6% a 14% de teor alcoólico por volume, sem qualquer regulamentação sobre tolerância a eventuais variações na informação do rótulo.  Entendo que se variar 0,1pp, o rótulo poderá ser considerado falso e a ação sujeita a penas. (O mais interessante é que vinho com teor alcoólico acima de 14% é classificado pela lei nacional como licoroso, simples assim, o que se faria com alguns Châteauneuf-du-Pape 2010 que atingiram mais de 16%??)

Na média, os rótulos demonstram uma diferença de 0,13pp no volume de álcool real.  57.1% das amostras subestimaram o volume de álcool por volume em 0,42pp. Por outro lado, 32,2% das amostras apresentaram erro para mais em 0,32pp.  Conclui-se, assim, que existe uma tendência para que o teor alcoólico dos vinhos convirja para 13% nos tintos do Velho Mundo, 12,5% nos seus brancos, 13,6% nos tintos do Novo Mundo e 13,1% em seus brancos.

Os erros substanciais encontrados não foram cometidos inconscientemente. Alguns produtores admitiram fazer alterações nos rótulos, dentro dos limites da lei, porque seria mais vantajoso na divulgação do vinho já que os rótulos trariam a informação que o consumidor espera encontrar em um vinho de alta qualidade.

Tendo em vista os altos custos envolvidos na variação da quantidade de álcool sem alteração das demais características do vinho, percebe-se que os consumidores estão dispostos a pagar um prêmio pela maciez resultante, mas não pelo seu teor alcóolico.  Assim, é lucrativo para a vinícola entregar ao consumidor as características de sabor desejadas e as informações de rótulo esperadas. É o marketing, estúpido.

Há muito o que questionar nesse estudo, disponível, em inglês, no site da Associação aqui. Os resultados são frágeis, condicionados pela base de dados utilizada e pela metodologia escolhida.  Econometria.  A pesquisa poderia refletir apenas a evolução do padrão de compras/gosto dos canadenses. De qualquer forma, sabemos que os vinhos estão mesmo mais alcóolicos e não sei se é relevante saber se estou bebendo um vinho com 13% de álcool/volume ou 13,42%.  É muito preciosismo, muita química para um momento de poesia.

Os vinhos estão mais fortes porque gostamos assim.  Ninguém quer esperar 20 anos para abrir uma garrafa e encontrar um vinho com taninos domados.  Gostamos assim porque Parker mandou ou Parker deu uma boa nota porque gostamos assim?  Who cares.  Talvez ainda valha a pena refletir sobre o império das notas que tem feito alguns produtores nos tratar, consumidores, como crianças mimadas...  Mas toda discussão sobre vinhos se não for para falar de belas histórias, de luta, de resistência, de solidariedade, de transformação, de romance, é pura bobagem.

2 comentários:

  1. Putz Sabrina, gostei do blog! Penas que meu conhecimento vai pouco além de saber diferenciar vinho branco de vinho tinto... :-)
    Felipe Hees

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  2. Caro Felipe, é por isso que o blog existe! kkk

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